Loucos e filósofos

domingo, 26 de maio de 2013

Poesia!!!


O ano da galinha

Este é o ano de classificar,
de jogar fora, de devolver,
de peneirar os amontoados, as pilhas, 
os detritos, as dunas, os sedimentos

ou, dito com menos poesia, as prateleiras, os baús,
os armários, caixas, cantos
no sótão, nos esconderijos e guarda-louças -

o lixo, em outras palavras,
que foi soprado lá pra dentro, ou então guardado,
ou então trazido com a maré, ou atirado
no meu caminho por ondas despercebidas.

Por exemplo: duas camadas espessas
de potes de vidro que outrora continham geleia
preparada naqueles evaporados
verões; um monte frugal
de sacos de plástico; um guarda-chuva marrom rachado
tão estimado quando novo;

uma caixa de chocolate com tocos de creiom
guardados para crianças-fantasma;
sapatos com as marcas encardidas
dos dedos que outrora foram meus.
Fotos de garotos cujos nomes se perderam
(posando tão elegantes diante de carros
com detalhes cromados), muitos deles já mortos, os outros velhos -

tudo manchado e desbotado, amontoado
como - digamos - esta tigela
de pedrinhas diversas catadas
tantas vezes na praia, agora
gastas ou perdidas, mas um dia recolhidas
e manuseadas por sua beleza,
e guardadas no bolso como lembranças puras
de algum dia outrora indelével.

(M. Atwood, A porta, p.13-14)

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